24/05/18

Membros

- Eram o quê?...
- Eramos seres. Eramos seres com um corpo. Eramos corpos. Corpos de longos braços, tão
longos que arrastavam no chão, arrastando-nos e deixando-se levar como que contrafeitos.
Longos dedos, das mãos e dos pés, em pulsos e tornozelos nem sempre firmes. Mãos côncavas
bradando verticalmente a um infinito descido à terra do escultor Francisco Franco, como que
dizendo ou pedindo algo. Pernas à deriva, olhares atentos, ouvidos à escuta, narizes
congestionados, postura en garde e muitas sinapses. Talvez até demais!
- Eram esculturas?
- Apanhados desprevenidos, seríamos mas vistos à lupa eramos seres. Seres com um corpo,
corpo vivo, tomando consciência das partes e do todo, em pulsão, como que em jogos de
orquestra em tempo de ensaios, seguindo um diapasão que dava o tom. Eramos pupilos de
bata e lápis na boca!
- Havia alguma batuta?
- Claro! Diapasão, batuta, abelha-mestra, mestre, maestrina, czarina, bailarina, o que queiras
chamar. Havia animais, frutas, ferrugem, corpos, diafragmas, narizes, pés e mãos. Olhos. Tudo
em partes, tudo num todo de meia-luz. De repente: boca. Som! Voz! Palavras! “São como um
cristal, as palavras. (…) inseguras navegam”, inseguros seguíamos, insistíamos, mostrávamos,
furtávamos, voltávamos, amávamos, ainda que mal.
- Trágico…
- Pelo contrário, allegretto! Ainda que mal, continuamos mas melhores, moderado melhor. Os
braços de tão longos tornaram-se algo graciosos, esvoaçantes, ainda descoordenados mas
felizes. Os longos dedos, das mãos e dos pés, em pulsos e tornozelos nem sempre firmes,
ajudavam à festa. Mãos concavas exalavam energia em todas as direções, como que dizendo:
mais. As pernas ainda titubeavam, os olhares atentos mas descontraídos, os ouvidos juntavam-
se aos narizes e bocas, esquecendo-se, por vezes, do resto corpo e vice-versa. Corpo
ressoador. Acrescente-se pescoços, cabeças, ombros e mais olhos. A postura en garde mas
num canteiro do jardim das delícias. Sinapses? Sim mas non troppo! Simbiose.
- E tu?
- Eu melhorei timidamente mas continuo a ser mais corpo, mais movimento, mais olhos e
ouvidos, mais musica, mais pena, mais sinapse, mais gesto, ainda tensão; menos voz, menos
palavra com som. A voz é o meu silêncio. Contudo o corpo do silêncio agora não se cala: dó si
dó ré mi, furando a parede. Obrigada!
- Ah!
- Reflexões!

11/05/18

Amendoim

Amendoim

A descascar.
Do Saco a tirar.
Salmoura por acrescentar.
Azia eminente.
Saliva em boca crescente.
Cruel destruição por chegar.

Alimento

Alimento
Alimento do corpo e da alma.
Pão e vinho.
Corpo e sangue.
Doce e salgado.
Toque digital.
Alimento virtual.

Visita

Como quem parte e regressa.
Como quem completa sem nunca terminar.
Como quem sente...
Como quem volta querendo estar de volta.

11/01/10

Ideias

Ideias emergem, levedam, cochicham e espreitam. Ideias... Ideias!

04/01/10

Recomeçar, Retomar, Reactivar


Sem comentários... aliás, com mil e um comentários! Falam, falam, falam mas não dizem nada. Talvez, mas ele há coisas que o melhor é mesmo extravasar, destapar, falar.
Cada vez mais o lugar-comum - "o comportamento do ser humano é do caneco" - repete-se vezes sem conta. Como humano, como ágil do meu/seu comportamento, sinto-me estranha, sorrio e perco tempo a pensar nisso. Nisso, na acção/reacção ao que se passa na passada do meu correr.
Hoje acordei para morrer face ao retomar do trabalho, vida, ritmo, neste primeiro momento após a entrada do novo ano. Tão estranho... quando estamos presos à cadeia da rotina, da agenda, nada parece estar fora do sitio. Quer dizer, mesmo que o horário teime em andar de plataformas, a coisa lá vai sendo levada, a custo mas sempre a pensar que grão a grão enche a codorniz o papo. Os ovos não são classe L mas tudo vai do seu acompanhamento e apetite!
Estava eu a dizer... Rotina, sim. Antes: anti-rotina! O que acontece quando se quebra tal previsibilidade, tal arrumação geométrica, por cores e feitios e ordem alfabética? Ok, não exageremos... sou eu aqui passada a químico e não a irmã Lili, cujo mundo tem de ter lógica, ordem e explicação. Se um dia descobrisse que a terra não é redonda, que o Sol não está no centro e que se desconhece quem anda por aquelas bandas, a bússola daria nó e a casa de bonecas ruiria! Adiante...
É fucking great!!!! É estupidamente soberbo, bestialmente orgíaco! Mas por quanto tempo? Voluntaria ou involuntariamente não nos é possível viver em eterna graça do "doce fazer nada". Antes de descobrirmos tal destino, gozamos! Gozamos? Tenho as minhas dúvidas. A noção de tempo, o tempo perdido e o tempo bem empregue, o render do tempo, a sua gestão, etc., etc., e tudo para quê? Para termos o desplante de nos convencermos a nós próprios que somos importantes, úteis, activos, na construção de um mundo, país, cidade, rua, casa, quarto, secretária.
Tudo para dizer, que as férias são a maçã da serpente? Somos naturalmente pecadores e o rescaldo ou penitencia é o trabalho? Entrando em pormenor, o Domingo... quem nesta terra goza verdadeiramente o Domingo? Poucos, os felizes! Domingo já lembra Segunda. Segunda é um martírio. Agora, pensem em maior escala: o depois das férias.
Hoje acordei para morrer (de 10 em 10min, 1h e 1/2 antes do despertador), num desassossego existencial, numa negação de identidade, face ao retomar de um normal dia de trabalho. Cheguei a ficar preocupada, mesmo aflita, com tal estado. Uma sensação de não ser capaz de continuar com o herculeamente atingido no mês/ano passado, de não querer regressar à velha eu. Estranho! Arrastada, pontapeada por uma força que me ultrapassa, dei comigo no trabalho. Vai uma, vai outra e lá estava eu de regresso, completamente on, dentro do ritmo normal da minha velha agenda. Coisas para fazer, aos milhares, pendentes, nem queiram imaginar! Mesmo assim, café na máquina, doce na alma (e não só!...) e eis-me numa tentativa de evasão ao óbvio laboro pós-laboral de que me encontro siamesa.
É do caneco, não?! Achei interessante, a alteração,progresso ou regresso, do normal - férias - calvário - normal. Não mata mas mói! Custa..... mas para o nosso bem, para o andamento das coisas e loisas, tem de ser. Quem diz? Quem manda? O pior é que somos nós. Recomeçados, retomados, reactivados por nós próprios para mais tarde voltarmos a perdermo-nos (encontrarmo-nos?), a des-tomar (a destronar?), a desactivar. Dessa negação constante nasce a nossa existência, o nosso eu. Somos uma negação? Não, talvez uma mera afirmação das muitas e variadas negações. Não somos o não ser; somos o ser, sendo e não sendo. É diferente!

07/06/09